domingo, 31 de agosto de 2014

Refletindo...

Não cobiço nem disputo os teus olhos
não estou sequer á espera que me deixes ver através dos teus olhos
nem sei tampouco se quero ver o que veem e do modo como veem os teus olhos
Nada do que possas ver me levará a ver e a pensar contigo
se eu não for capaz de aprender a ver pelos meus olhos e a pensar comigo
Não me digas como se caminha e por onde é o caminho
deixa-me simplesmente acompanhar-te quando eu quiser
Se o caminho dos teus passos estiver iluminado
pela mais cintilante das estrelas que espreitam as noites e os dias
mesmo que tu me percas e eu te perca
algures na caminhada certamente nos reencontraremos
Não me expliques como deverei ser
quando um dia as circunstâncias quiserem que eu me encontre
no espaço e no tempo de condições que tu entendes e dominas
Semeia-te como és e oferece-te simplesmente á colheita de todas as horas
Não me prende as mãos
não faças delas instrumentos dócil de inspirações que ainda não vivi
Deixa-me arriscar o molde talvez incerto
deixa-me arriscar o barro talvez impróprio
na oficina onde ganham forma e paixão todos os sonhos que
antecipam o futuro
E não me obrigues a ler os livros que eu ainda não adivinhei
nem queira que eu saibas o que ainda não sou capaz de interrogar
Protege-me das incursões obrigatórias que sufocam o prazer da descoberta
e com o silêncio (intimamente sábio) das tuas palavras e dos teus gestos
ajuda-me serenamente a ler e a escrever a minha própria vida.

ALVES, Rubem: A Escola com que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir- Campinas, SP: Papirus, 2001.

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